quarta-feira, 27 de julho de 2011

Ediberto Lima fala do estado da televisão!


Ediberto Lima conquistou os portugueses com muitos dos seus produtos nos anos 90, quando chegou do Brasil para ajudar ao surgimento da programação da SIC. De sucesso em sucesso, foi crescendo até ao dia em que um mal estar provocado no reality show 'O Bar da Tv' o atirou para fora da caixinha mágica. Apesar disso nunca deixou de lado o gosto pela televisão e hoje é crítico em relação ao que temos de ver nas generalistas. 
Na entrevista que se segue, retirada do jornal i, o produtor revela que hoje faz falta na televisão um programa como o Big Show SIC, que aquado do Big Brother idealizou um programa a satirizar os realitys shows, que acha os Informativos excessivamente longos e que, infelizmente, quase nenhum dos programas actualmente no ar chega perto da fórmula do sucesso. Leia a entrevista:

Chegou há 18 anos a Portugal. Na altura dizia que a nossa televisão era muito cinzenta. Ainda tem essa opinião? 
Agora não, houve um trabalho de base que a fez evoluir muito. Com a inclusão das produtoras internacionais, a coisa ganhou um novo movimento. Modificou--se bastante. Mas se me perguntares como vejo a televisão dos últimos dez anos, depois da minha saída, digo que não continua a mesma, está muito pior. Na época do Rangel era muito melhor, na altura do "Big Show SIC".

Curiosamente, isso coincide com a sua saída. Na sua opinião, o que tinha assim de tão especial o programa?
Várias coisas: um grande apresentador, bailarinas seminuas, o enfoque da música popular portuguesa, que dava oportunidade aos novos valores, e tinha o macaco Adriano, que destronou o Herman José.

Por falar em Herman José, é amigo dele?
Falo com ele normalmente, como com qualquer outra pessoa. Acho que é um ícone do país. É, não; foi. É um homem muito inteligente, fora das câmaras não é aquilo que todos vemos. Mas foi sempre mal assessorado, mal realizado. Infelizmente, caiu na ordinarice, e quando isso acontece perde a família portuguesa, que era quem lhe dava audiência. Começou a levar homem no programa, se fodeu. Na altura em que eu estava na televisão as mulheres diziam "porque não traz homem?", e eu respondia que os homens não dão audiência. Insistiram tanto que eu contratei uma produtora para arranjar seis modelos para fazer os primeiros "Top Model". Pus um no ar. A audiência baixou quase para zero.

Por causa de um homem?
Imagina o seguinte: está o Manel e a Maria a ver televisão. A Maria é aquela mulher gorda, barriguda e com bigode. Aí entra um manequim seminu. A Maria olha e pensa: "Hum, isto é que é homem e não esta merda que está aqui sentada ao meu lado." Mas o Manel diz: "Maria, as pipocas estão acabar." E ela, para não o contrariar o Manel, diz: "Vá, muda de canal." Chega à noite, vai brincar com o Manel pensando no modelo. Uma hipocrisia.

Essa visão do povo português não é demasiado simplista?
Rapaz, eu sou descendente de português. Eu não sou holandês, conheço bem este povo, de raiz, convivo com ele; com o taxista, o feirante, o cigano do mercado. Não ando na alta esfera, conheço esse povo, principalmente as mulheres, cresci entre elas. Por isso é que eu faço sucesso, sei como funciona. Se não conhecesse, era um fracasso. Tem de saber entrar no íntimo das pessoas, buscar a essência para ser bem-sucedido.

Como teve uma ideia dessas, de meter alguém dentro de um macaco de peluche gigante?
Isso surgiu durante uma insónia. Tenho de te contar a história toda para tu perceberes. O "Big Show SIC" entrou no ar num domingo à tarde. Tivemos logo 54% de audiência. Aí o Rangel me chamou e disse: "Ediberto, tem de botar esse programa no sábado à noite." Eu disse que o "Big Show" tinha sido pensado para a tarde, que o cenário não tinha brilho nenhum ou luxo, e que para irmos para a noite tinha de se mudar qualquer coisa.

Foi aí que entrou em cena o macaco Adriano?
Na altura passava na RTP o "Parabéns", do Herman José, que era o único programa que a SIC não conseguia derrubar. Fui a uma loja, comprei outra televisão, pus uma ao lado do outra: "Big Show" de um lado, Herman do outro; papel e caneta na mão. Começaram os dois no mesmo horário e percebi que o Herman ia para o primeiro comercial aos 25 minutos. No meu programa, fomos para intervalo ao fim de 55 minutos sem interrupção. Resultado: comi o primeiro bloco dele, os comerciais, e comi o segundo bloco. No terceiro programa acabei com o Herman. Mas faltava algo especial e foi aí que surgiu o macaco na minha cabeça. Liguei para o Roberto Leal, dei-lhe uma letra e pedi-lhe uma música. "Tens três dias para a fazer." "''Cê enlouqueceu?" "Três dias, Roberto." Ele fez. E deu no que deu.

Aparentemente é uma ideia banal.
É banal e simples. Mas é isso que as pessoas não conseguem fazer, uma televisão com simplicidade, querem o mais sofisticado e acabam por fugir dos olhos das audiências.

Não acha que o "Big Show SIC" era um retrato popularucho e um tanto deprimente do nosso país?
Não, e eu respondo a você de outra maneira: os programas alemães são popularuchos mas eles não têm vergonha do próprio povo; os franceses, que eu acompanho de perto, também, mas eles não têm vergonha disso. Somente em Portugal os senhores doutores esquecem que são filhos de feirantes, taxistas, empregados de balcão, varredores de rua; de pais que dão duro a vida inteira para formar um filho que no futuro vai renegar a sua origem e dizer: "Não, não, papai é um empresário na Suíça. Que é isso, que história é essa?" O "Big Show" representa a nata do povo português. Vá ao meu Facebook e veja: em cada cem mensagens que recebo noventa e nove têm erros de português. As pessoas não sabem sequer escrever ou ler. Este é o nosso povo. E digo o nosso porque eu gosto, vivo aqui há 18 anos e gosto. Não é como esse brasileiro que vem aqui e diz "eu amo Portugal". Não, eu amo mesmo. Os meus programas espelham o povo. O "Big Show SIC" é o povo português.

E a televisão, como defendem alguns académicos da comunicação, não pode ter esse lado mais propedêutico?
Você acha que novela educa alguém? Ou que esse noticiário ordinário das oito informa ou educa? A assembleia legislativa virou Hollywood: jornal de uma hora e quarenta com 50 minutos de políticos? Como? É inimaginável.

Como conheceu o João Baião?
Fui ao teatro, assisti à peça e quando acabou pedi para falar com ele. Foi no Parque Mayer, num teatro de revista. Não fui lá casualmente, fui mesmo para o ver. Tinham-me dito que havia um rapaz muito jeitoso para apresentar. Cheguei e disse: "Tenho uma proposta para você. Você tem cara boa, é o netinho da vovó, é um menino iluminado. Vou-te transformar no maior apresentador do país." Ele tinha 28 anos.

Como é que ele reagiu?
Ficou atónito. Deve ter pensado: "Esse brasileiro é maluco." Meu amigo, para trabalhar em televisão tem de ser maluco mesmo. Na direcção, para cuidar do dinheiro, basta ser senhor doutor. Mas para dirigir uma programação tem de ser maluco mesmo.

Ainda são amigos?
Somos, e muito. Ele é uma pessoa especial, é gente muito boa. Falamos frequentemente. É excelente. É aquele tipo que conhece, daquele jeito que você conhece da televisão, é assim em qualquer lugar do mundo.

Vê muita televisão?
Sim, vejo muito. Sobretudo a televisão francesa. É uma questão de inteligência, não vou perder o meu tempo a ver novelas e um jornal de uma hora e 40 minutos num pais com a superfície de Portugal. Não faz sentido, temos 10 milhões de habitantes. Aquilo não é jornal, é uma pastilha elástica.

Está a referir-se a algum canal em particular?
O único que me passa um pouco de profissionalismo é o da RTP. Um jornal não pode ter mais de 35 minutos de duração. Ponto final. Há uma grande confusão em Portugal: as pessoas não sabem distinguir notícias de informação, são duas coisas diferentes. Um jornal é feito de notícias, a grande informação é feita à parte, num outro programa. Os editores são obrigados a cumprir esse tempo, porque o concorrente está no ar com o mesmo produto. Aqui adopta-se o seguinte critério: dividem o bolo, se uma novela de um canal tem audiência, a outra estação lança uma novela para dividir a fatia do bolo.

Porque diz que a TVI tem um jornal elitista numa televisão popular?
Porque tem muita política. Você está a fazer-me essa pergunta porque eu escrevi isso no meu blogue, mas volto a dizer que não tem nada a ver com os apresentadores, O José Alberto Carvalho e a Judite de Sousa são bons profissionais. É um jornal sofisticado de mais para quem vai ver a novela que se segue.

E no mercado do entretenimento, gosta do que se faz?
O que temos de entretenimento vem de fora, das grandes produtoras internacionais. Raramente há uma alguma coisa criada em Portugal e quando há, devido ao baixo custo, é quase sempre de má qualidade.

Há algum que lhe agrade?
Sim, o "Alta Definição", do Daniel Oliveira. Gosto muito.

Mas aquilo é um bocado choramingas.
Que nada, rapaz. Tem um pico muito bom. Daniel tem muito talento, um óptimo profissional, gosto da edição, do ritmo. Tanto é que o programa dele, ao sábado, às duas da tarde, aparece no top 5.

E o "Último a Sair"?
Poderia dizer que não gosto, mas não posso e eu explico porquê. Há 12 anos, quando o "Big Brother" começou a incomodar a SIC, liguei para o Rangel e propus um programa exactamente igual. Atenção, eu não estou a dizer que me plagiaram a ideia, apenas que já a tinha tido, de satirizar. O Herman tinha entrado na SIC e eu disse para fazermos um compacto satirizado sobre o que se tinha passado na noite anterior, na TVI.

Gosta de reality shows?
Depende. Eu acho que é tudo a mesma coisa. É uma moda que dura há dez anos. Enquanto todos tiverem reality shows, ninguém tem coragem de pegar um trilho diferente. Parece aquelas festas em que todos os homens vão de smoking preto. Eu nunca uso smoking.

Vai a muitas festas?
Nunca, sou totalmente anti-social. Gosto da loucura da televisão, mas quando acaba vou para casa e gosto de ficar com os meus animais - cavalos, cães, gatos - no mais completo sossego. Tenho uma propriedade aqui em Cascais, onde crio nove cavalos lusitanos. Não negoceio, os cavalos são meus filhos, sou incapaz de vender. Ficam comigo até morrer.

Como veio parar a Portugal?
A TV Globo, no início da televisão privada, era sócia da SIC. Vim cá em Julho de 1993 para dar um curso de Direcção de Fotografia para câmaras e iluminadores. Aí fizeram-me um convite para voltar em Janeiro de 1994 e a Globo deixou--me vir para cá durante três ou quatro meses, e acabei por ficar. Há muito tempo que estava preparado para vir. Em Portugal só havia uma televisão estatal e eu sabia que a privada ia chegar, era uma questão de tempo. Tinha de estar atento para vir no momento certo. Foi o que fiz.

Foi nessa altura que conheceu Emídio Rangel?
Conheci-o quando ele assumiu a estação. O Rangel sempre foi um homem de visão, um inovador, um homem que pensava adiante, que trouxe muita coisa boa para Portugal, e um profundo conhecedor do povo português. Era um homem fácil de trabalhar, falávamos a mesma linguagem.

O seu primeiro programa foi o "Muita Lôco". Porquê a escolha do José Figueiras?
Na ocasião encontrei-o no corredor da SIC e achei que ele tinha perfil para o programa. E ele safou-se muito bem.

Usava teleponto ?
Nunca usei teleponto para nada. Para mim, o profissional tem de ser profissional. Se me pede teleponto para gravar, eu mando você vender laranja na feira. Funciono assim, ou tem competência ou não. Gosto das coisas espontâneas, do improviso.

Como reagiram os colaboradores da SIC às suas exigências?
Ouvi sempre coisas do tipo: "A que horas é o ensaio?" "Não há ensaio." "Não? E onde fico?" "Ah, você fica onde quiser, as câmaras apanham-no." Perguntavam- -me quantas horas tinha o programa e eu dizia que eram duas, gravadas em falso directo. Eles pensavam que iam estar a gravar horas sem fim; a repetir. Comigo não funciona assim. Quem sabe sabe, quem não sabe vai para casa. Não despedi ninguém.

Qual era o seu cargo na SIC?
Não me lembro do cargo, só do salário.

Quanto ganhava?
Meu amigo, hemorróidas e dinheiro, quem tem não conta (risos). No começo da SIC, rapaz, tinha uma função muito ingrata que era assistir a toda a programação e apontar todos os erros. E cada um deles era um inimigo que eu ganhava. E olha que havia muita asneira.

Fez muitos inimigos, portanto.
Até hoje não sei a resposta a essa pergunta, mas os que se negaram a vir trabalhar nos meus programas pouco depois andavam a pedir emprego para os seus familiares. Mas eu não sou vingativo.

O Ediberto foi responsável por lançar muitas carreiras na televisão, como a Ana Malhoa, por exemplo. Fez muitos castings?
Ela foi um desses casos. Apareceu-me acompanhada por um sujeito carregado de ouro, cheio de anéis e colares, que era o José Malhoa. Ela era uma miúda, mas tinha uma coisa que mais ninguém tem: Ana Malhoa sorria com os olhos. Ela olha para você e os olhos sorriem naturalmente. Uma pessoa fantástica, nunca usou teleponto. Trabalhei com ela quatro anos e nunca tive de parar uma gravação. Nunca errou.

Pensei que fosse falar de outros atributos...
Não, muito pelo contrário. Ela é uma artista completa, é inteligente, desenvolta e, evidentemente, teve a felicidade de nascer bonita.

Não deixa de ser curioso um programa infantil ser apresentado por uma mulher de calções curtos e decotes.
Da mesma forma que o macaco Adriano mexeu nas audiências do "Big Show SIC", o shortinho da Ana Malhoa mexeu nas audiências do papai. Era comum o papai assistir ao Superbueréré com o filho, enquanto a mamãe dormia. Quando faz televisão, você tem de pensar em tudo.

E a Fátima Lopes, como a descobriu?
Foi através do Emídio Rangel. Ela trabalhava numa empresa de chamadas de valor acrescentado. Precisávamos de uma apresentadora para o "All You Need Is Love" e achei que ela tinha as características. O Rangel disse: "Você tem 30 dias para transformar essa senhora numa apresentadora de televisão." Durante esse tempo ficámos juntos. Levei-a a Lisboa para um curso de manequim, aprendeu a andar, a falar. Ensaiámos poses para a câmara e em 20 dias obtivemos sucesso. O resultado está aí para todos verem. Houve também outro programa, o "Minichuva de Estrelas", em que fui responsável pelo casting. Ligaram-me num sábado de manhã para seleccionar uma menina para apresentar. Mas os senhores doutores acharam que ela era feia e desengonçada, e decidiram contra a minha vontade. Sabe quem era?

Quem?
A Bárbara Guimarães. Agora imagina se ela não fosse feia...

 
Realizou um dos primeiros reality shows a passar em Portugal e que acabou por ditar o seu afastamento da televisão. Porque aceitou?
Aquilo era um formato importado. Não estive de acordo porque eu teria de co-produzir, o que veio a acontecer, e não via com bons olhos essa tarefa. Fomos obrigados a aceitar, porque os argentinos só dariam o "Bar da TV" à SIC se deixássemos a empresa deles ter uma participação. Foi o maior erro da minha vida. Enquanto formato agradava-me, porque era uma forma de combater o "Big Brother". Os dias que estive à frente do programa consegui isso. Houve algumas polémicas, como a vinda dos pais daquela menina que era religiosa ao programa.

Mas isso valeu à SIC um processo, por ter posto no ar uma conversa privada.
Não, não chegou a haver processo. Nós tínhamos autorização dos pais, que foram à casa depois de verem a filha, muito púdica, a brincar com um vibrador. Mas tudo o que era gravado era público.

E houve uma concorrente que meteu o namorado dentro da casa à revelia das regras. Foi isso que esteve na origem da sua saída?
Foi isso que causou a bomba. Numa madrugada, eu não estava presente, e o meu assistente permitiu que o rapaz entrasse na casa a meio da noite. E isso não podia ser feito. No domingo, às seis da manhã, sou acordado por um telefonema, vou lá e vejo a cassete. Chamei o produtor argentino e digo "olha, isto aqui não pode ir para o ar. Isto não é um bordel, é um programa da televisão". Nessa noite, quando chegaram as cassetes, eu já não tinha tempo de as rever. O programa era ao vivo e qual foi a primeira imagem a ir para o ar? O namorado a entrar na casa. Fui sacaneado, não é?

Por quem? Com que interesse?
Pela produção argentina. Queriam ver-me fora do programa e conseguiram.

E nunca mais voltou à televisão?
Não, mas já virei essa página, fiz o luto disso. Passaram dez anos, estou a responder apenas porque me perguntaste. Nesta última década apresentei várias ideias, nenhuma foi aceite mas muitas foram copiadas. A vida continua. Tinha outras actividades, morei no Brasil, em França, cuidei dos meus cavalos e pronto.

E este novo projecto, a Regiões TV, pode considerar-se o seu regresso à televisão?

Tenho óptimas perspectivas. Obviamente que os tempos são outros, atravessamos uma crise sem precedentes, mas é justamente nas crises que temos de procurar alternativas. Eu nasci e cresci na crise, so vivi fora dela durante dez anos, antes de entrar o euro. E agora vivo outra vez na crise, coisa que me é natural.

Que tipo de canal vai ser?
É tudo muito recente, mas vou ser director artístico do canal. Vai funcionar no Norte do país e, embora ainda esteja numa fase muito embrionária, vai obviamente tratar de assuntos de interesse regional. Conheço Portugal de norte a sul, sou uma pessoa virada para o campo, e isso habilita-me a estar muito mais próximo das pessoas. Trabalhar as regiões e estar perto dos que moram aí, na periferia, não somente das que moram em Lisboa e Porto. O nosso slogan é "Portugal por inteiro".

Como acha que é visto em Portugal?
Antes de responder a isso, vou plagiar uma frase do Alberto João Jardim que eu acho fantástica: "Desculpa lá pá, quem não tem inimigo é um merda." Eu devo ter muitos, porque sou um cara muito frontal, digo o que me vem à cabeça, não gosto de censura.

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